Não perdemos, retornamos

 

Olá, pessoal!

A reflexão de hoje é inspirada neste vídeo do canal Einzelgänger, que aborda tópicos filosóficos. No vídeo é proposta a discussão sobre perder pessoas, o famoso “let it go” da Elsa de Frozen, rs. 

Em inglês é usada uma palavra para descrever uma ligação entre uma pessoa e outra que é “attachment”. Pelo significado em que é invocada, não existe (na minha concepção atual) uma tradução que transmita a mesma ideia. Talvez uma ligação vincular (e tenho ciência da redundância), conexão colada, algo assim. Tudo isso pra falar que é sobre não conseguir se desvincular de alguém que não se alinha mais com a nossa vida, pela infinidade de motivos que possam ter. 

Então, na língua inglesa a palavra “attachment” é usada junto a outras: “attachment issues”, “his/hers attachment to”, denominando algo do sujeito da frase, como se fosse algo só seu. Assumimos, portanto o ponto de vista de que o “attachment” é assunto de quem fala, e não de quem é falado. Uma expressão geralmente associada a essa conexão colada é o “fear of losing”, que se traduz a medo de perder; e é nesse medo que se originam váaaaarias decisões e sentimentos que podem não ser saudáveis para quem sente (e quem recebe, também). Resumindo: ficamos tão presos nessa conexão, que se cria um medo enorme de não ter a pessoa na nossa vida, de de repente fazer algo que desagrade, de não saber se vincular de forma saudável a alguém.

Criamos, na nossa mente formigante, uma Hydra (monstro de sete cabeças) e ficamos paralisados ou fazemos idiotices. Cria-se, principalmente, muita ansiedade e estresse. Para nós e para quem está do outro lado da ligação.

Por isso, ao encontrar este vídeo, fiquei intrigada. Ele traz uma noção de que não perdemos as pessoas, quando porventura elas nos são retiradas ou retiram-se; nós as retornamos. Quê!? Como assim?

No meu entendimento, elas retornam para si mesmas. De uma forma ou de outra, permeados pelo sofrimento, nós também retornamos para nós. Para alguma parte de nós que talvez tenha sido colocada de lado nesse fuzuê todo de nos relacionarmos com o outro. Que também precisa receber o nosso amor, atenção e afeto.

Já abordamos aqui a inevitabilidade das relações humanas. Agora estamos nos aproximando de discutir sobre como se vincular de forma saudável a alguém; isso começa com o questionamento de como interagimos no presente, como nos sentimos com essa interação e como gostaríamos que fosse.

Em inglês há uma teoria sobre os estilos de ligação (Attachment Styles) que, se quiser entender um pouco sobre o porquê de algumas pessoas se comportarem de um jeito e outras do contrário quando estão em um relacionamento, vale a pena passar os olhos. A Teoria do Apego foi criada nos anos 60 e 70 pelo psicólogo britânico John Bowlby e pela psicóloga canadense Mary Ainsworth. Eles formularam tipos de “se relacionar” que denotam a qualidade das relações que estabelecemos, que seriam construídos a partir do estilo parental recebido. Achei bacana a explicação deste site (em inglês, mas dá pra traduzir na ferramenta de tradução do navegador), um compilado de características sobre os quatro tipos de ligação (brevemente comento, apenas me atendendo à parte do se relacionar adulto) e também este vídeo do canal Minutos Psíquicos:

1. Secure attachment (ligação segura)

Na relação cria-se espaço para a construção de confiança, autoestima saudável, inteligência emocional, senso de competência. Há uma segurança geral sobre os elementos que envolvem um relacionamento, inclusive sobre sua imprevisibilidade, a possibilidade de não interagir (de “perder”), os braços abertos para receber amor. É bem aquele “não se perca tentando se perder em alguém”. Caracteriza-se, de fato, como um jeito de se relacionar saudável

2. Anxious-insecure attachment (ligação ansiosa)

Neste tipo de se relacionar temos tudo menos se sentir seguro; o que prevalece, como diz o nome, é ansiedade e insegurança originados pela falta de previsibilidade – não há um padrão de atenção, então não se sabe o que fazer para obter a atenção e o afeto desejados (supõe-se, inclusive, que tenha algo a ser feito para conseguir – a tal da condição causa-efeito “se…então…”). Amor condicional. O que é certo e o que é errado? Cria-se cada vez mais, na relação, sentimentos de carência, desconfiança, sensibilidade e irritabilidade.

3. Avoidant-insecure attachment (ligação esquiva)

Por falta de melhor tradução, optei pela palavra evitante. O que caracteriza este tipo de se relacionar é exatamente isso, entende-se por aprendizado prévio que o melhor a se fazer é evitar: não preciso de ninguém, sou independente (do tipo que precisa falar), não sinto nada e nem quero sentir. A palavra insegurança vem a calhar pois é um posicionamento de muita insegurança tentar diminuir os próprios sentimentos e fingir que não sente nada. É um “cala boca” em alto e bom som para si mesmo. Cria-se cada vez mais distância emocional nas relações e não se admite o fato intrínseco ao ser humano de que vivemos em sociedade e, sim, precisamos uns dos outros e teremos que encarar as dificuldades do se relacionar, por mais que doa. Este tipo é permeado por uma armadura polida diariamente, que assim como todas as armaduras, foi feita para proteger algo em perigo.

4. Disorganized-insecure attachment (ligação insegura e esquiva – uma variação mais extrema da terceira)

Ao se deparar com a possibilidade de se relacionar e ser vulnerável, de sentir cheiro de afeto, em vez de sentir segurança e receptividade, o medo e a ansiedade entram em cena. A partir daí acontece uma desestabilização desorganizada, ativando meio que um botão de pânico: faz-se tudo para sentir uma “segurança construída pela sobrevivência”: rejeitar, partir pra agressão, assumir a posição de “não preciso de ninguém”, dificuldade de receber afeto. Imagine uma substância que era sólida e de repente explodiu em gás, passou pelo processo de ebulição super rápido. É isso; reatividade baseada na insegurança e falta de estrutura.

Acendi uma fagulha de interesse por aí?

Por isso não perdemos as pessoas, as retornamos. E elas nos retornam para nós, nossos padrões, nossas dificuldades, nossos sofrimentos por trás das armaduras e máscaras. São esses elementos que merecem e gritam pelo nosso amor. E possibilitam que tenhamos mais consciência de como nos relacionamos e também como construir e nutrir relações mais saudáveis.

Este é um assunto que, particularmente, por eu ser psicóloga, me interessa muito. Tantas pessoas com tantos estilos de se relacionar diferentes; me pergunto como tudo isso é construído, e se as pessoas têm consciência de como isso respinga em todas as suas relações. E se desejariam que fosse diferente, pois essa possibilidade é sempre bem-vinda.

O que acharam sobre este tópico?

Às vezes a inspiração só vem! Haha.

Obrigada por estarem aqui. 🙂

Até a próxima!

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Caroline Tirado

Caroline Tirado é psicóloga e escritora. Escreve desde os 12 anos. Sempre foi curiosa e questionadora dos por quês da vida e do mundo, principalmente sobre o comportamento humano. Aprecia as coisas simples. Gosta de filmes, séries, livros, HQs, músicas, jogos e o que há de legal por aí.

Este post tem 3 comentários

  1. Anônimo

    Achei fascinante o termo Retornar. Faz todo sentido. Quantas vezes abandonamos quem somos para agradar outras pessoas, ou mesmo que nos fazemos de durões,, com medo de se machucar. Retornar para si mesmo e permitir que o outro retorne, me parece ser essencial.

  2. Edwin Junque

    Achei fascinante o termo Retornar. Faz todo sentido. Quantas vezes abandonamos quem somos para agradar outras pessoas, ou mesmo que nos fazemos de durões,, com medo de se machucar. Retornar para si mesmo e permitir que o outro retorne, me parece ser essencial. Repeti aqui para não ficar no anonimato. 😁

  3. Caroline Tirado

    Muito bem pontuado, Edwin! Obrigada pela leitura, fico feliz que tenha contribuído por aí 🙂

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