He, She, We – Robert A. Johnson

Olá, pessoal!

Hoje trago uma análise de três livros que particularmente me marcaram. É uma trilogia escrita por Robert A. Johnson, psicólogo americano. Johnson seguia a abordagem junguiana, que traz uma perspectiva sobre o mundo inconsciente, a vida psíquica e o processo de individualização. O que se sucede por trás de nossas defesas, de nossas máscaras e de nossas jornadas vitalícias.

Gosto da escrita fluida e profunda dele, imputando nas histórias contadas tantos significados e interpretações que se pode ficar um tempão falando sobre e tentando entender o livro e a si mesmo. Para a minha sorte, como estes livros não são mais fabricados no Brasil, consegui achá-los como um tesouro usado, e vieram com anotações na folha de rosto com dedicatórias. Adoro livros assim, cada um já vêm com uma good vibe de que foi muito bem intencionado e dado de presente para outra pessoa aproveitar o conhecimento do livro; me sinto em conexão.

O primeiro livro, He: a chave do entendimento da psicologia masculina (1974), empresta o mito de Parsifal, criado na Idade Média (na época do Rei Arthur, estima-se), para adentrar a vida psíquica do masculino. Entendemos “masculino”, aqui, como um elemento dominante dos homens, mas que habita a psiquê da mulher também (e vice-versa para o elemento feminino). São elementos, feminino e masculino, trabalhados em níveis e graus diferentes em cada indivíduo. Na história, o cavaleiro Parsifal percorre uma jornada épica cheia de desafios, dizeres e donzelas em busca do Santo Graal, o Cálice Sagrado. Ai, ai, ai.

O segundo livro, She: a chave do entendimento da psicologia feminina (1976), fala sobre os mecanismos que atuam na vida psíquica feminina através da mitologia de Eros e Psiquê, que começa mais ou menos assim: Psiquê foi deixada em uma montanha para morrer, pois Afrodite, que tinha inveja da moça bonita e pura, jogou-lhe uma profecia de que se casaria com a Morte (eita). Sua família, receosa, então a abandona em uma montanha para que o noivo viesse lhe buscar. Para garantir que seu plano fosse bem sucedido, Afrodite mandou seu filho, Eros (também conhecido como Cupido) para alvejar-lhe uma flecha com o objetivo da jovem certamente se apaixonar pelo monstro da Morte. Ao ver Psiquê, entretanto, Eros acidentalmente espeta-se com uma das flechas e apaixona-se ele por ela. Inicia-se ali uma relação intrigante e cheia de desafios, tarefas, trabalho duro mas também prazer.

O terceiro livro, We: a chave da psicologia do amor romântico (1987), fala da integração dos elementos feminino e masculino (mais em carne e osso, dessa vez), na história épica de Tristão e Isolda, também surgido na Idade Média. Aqui o foco é o amor romântico – essa força inexplicável e inevitável que marca a vidaLembrou-me, curiosamente, a história do filme Shrek (2001). Uma parte intrigante do mito é que Tristão foi nomeado “Tristão” pela mãe por ser fruto de uma tristeza.

Senta que lá vem história…De forma resumida: Tristão, um cavaleiro fiel ao seu rei, vai até outro reino buscar seguramente a dama mais bela que se tornará rainha (sendo que ela não sabe que ele é o cavaleiro que matou seu pai, o rei de seu reino, pois naquela época não tinha foto, que havia jurado vingar). Na jornada de volta eles se veem em uma cabana e, numa conversa casual, bebem de um vinho batizado pela mãe da jovem com uma poção do amor (destinada a ser servida na noite de núpcias do rei e da nova rainha), que duraria apenas 3 anos, para ajudar a filha a se casar com o rei. Ela, Isolda, e ele, Tristão, apaixonam-se perdidamente, e estão perdidos mesmo; como voltar ao reino e dizer ao rei que sua futura rainha não é mais dele? É uma ótima história para entendermos o feitiço da paixão (que, segundo algumas estimativas de estudos, dura por volta de 18 meses a dois anos; aquela “cegueira” que faz com que você não enxergue a pessoa por quem ela realmente é e sim por quem você gostaria que ela fosse, correspondente aos seus desejos e projeções).

O autor balanceia muito bem as diferenças entre o amor romântico, esse super apaixonado, impossível e exagerado, e o amor verdadeiro, simples e real. Gosto muito da reflexão de que o amor é uma escolha diária e consciente, e verdadeiramente se alegra com nuances e as coisas simples e preciosas da vida.

Nenhum dos livros é apenas para mulheres ou para homens e casais; trata-se de uma trilogia muito bem pontuada sobre elementos da vida de todos, consciente e inconscientemente, e que podemos nos beneficiar da identificação com as histórias para refletir os nossos flertes e desamparos com a vida. Especialmente no que se diz respeito a relacionamentos, que nos transformam de uma maneira tão avassaladora, muitas vezes incontrolável e inocente. Aqui se encaixa uma citação do livro Flores Para Algernon (1966), de Daniel Keyes, que me intriga: “Eu sou alguém, e tenho que amar alguém”.

Acredito que a leitura me proporcionou entender melhor sobre as dinâmicas de uma relação que hoje em dia se denonima “tóxica”, e principalmente a jornada árdua até um relacionamento saudável. Nada que valha a pena é dado, e sim conquistado. Aí temos noção do real valor. Vejo relacionamentos como construção, tijolo por tijolo, a quatro mãos (e cada um com seus divertidamentes bem ativos rs).

Vou além: a maior construção da nossa vida é o relacionamento individual de nós com a gente. Esse aguenta tanta dor e sofrimento, tanta angústia e tão pouca alegria, que é perigoso passar a vida toda na teoria a ruminar. Começamos a viver conscientes quando temos a coragem de nos molhar na chuva e aceitar os termos e condições de que, sim, às vezes somos feitos de açúcar, mas não derretemos. Nosso diálogo interior vai se transformando na medida em que nos reconhecemos como parceiros e “entramos no nosso time”. Parece bobo, mas é possível que na maior parte da nossa vida tenhamos jogado no time adversário; e essa forma com que nos tratamos respinga em todos os outros relacionamentos.

Carl Jung era expoente do processo de individualização, que em média se iniciaria lá pelos 30-35 anos da vida de alguém (varia). Questionamentos surgem, a vida vira de ponta cabeça, memórias vêm como avalanche e parece que nada faz sentido. É a famosa crise existencial rsrs. Ele também dizia que quando aprendemos a escutar o que essa fase quer de nós, o que ela está pedindo para transformar e dar mais atenção em nossas vidas (em nós mesmos), nos tornamos indivíduos mais equilibrados dentro da nossa própria alquimia. É o que Vikor Frankl, grande psicólogo da corrente humanista, chamava de se responsabilizar pela própria vida.

Em um tom mais leve e em uma linguagem menos formal, a youtuber Emma Chamberlain discute sobre amor romântico na última publicação (até a postagem desse post) do seu podcast “Anything Goes”: Is Romantic Love an Illusion?. Emma fala sobre sua experiência com amor até o momento e como lhe é curioso o amar. Em suas colocações, afirma ter o amor verdadeiro três elementos principais (e não pode não ter um; é preciso ter os três): intimidade, paixão e comprometimento. Concordo, e vai de encontro com o conteúdo discutido no livro We sobre a escolha diária e a transformação longínqua. Fica a indicação caso tenham curiosidade sobre o tema. É em inglês, mas é possível ativar a ferramenta de tradução automática.

Eita buraco de minhoca! Haha.

Baita reflexão. Paro por aqui.

Já tinham ouvido falar sobre essa trilogia de livros? Gostariam de acrescentar algo à vitamina psicológica?

Se livros de psicologia diferentões são sua praia, certamente gostará destes.

Obrigada por estarem aqui! 🙂

Até a próxima.

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Caroline Tirado

Caroline Tirado é psicóloga e escritora. Escreve desde os 12 anos. Sempre foi curiosa e questionadora dos por quês da vida e do mundo, principalmente sobre o comportamento humano. Aprecia as coisas simples. Gosta de filmes, séries, livros, HQs, músicas, jogos e o que há de legal por aí.

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